Escolhendo uma abordagem psicológica
- maio 07, 2020
- by
- Paulo Nobre
Esse é um questionamento que atravessa a grande maioria dos profissionais de psicologia em formação. Talvez seja porque quando falamos de psicologia, estamos falando de um compêndio teorias e práticas organizadas que se dedicam ao estudo da subjetividade humana. Diferentemente das ciências naturais, as ciências humanas se deparam com uma questão muito peculiar. Como o próprio nome já diz, o objeto de estudo das ciências humanas é o ser humano. Então, não existe o distanciamento entre o sujeito e o objeto de estudo que ocorre nas ciências naturais. A consequência disso é a existência de várias maneiras de se aproximar do objeto de estudo, caminhos diferentes para chegar até o ser humano, ou como se diz muito em psicologia, as abordagens.
Dito isso, eu vou deixar aqui minhas contribuições para esse dilema (ou seria um “multilema”? Existe essa palavra?) enfrentado pelos estudantes e quem sabe ajudá-los de alguma forma. Existem alguns caminhos que se mostram muito úteis quando tentamos entender algo sobre nós mesmos, o mundo à nossa volta e nossas escolhas. Lembrando também que a escolha de uma abordagem psicológica diz também de nós mesmos, portanto, é interessante que essa abordagem converse de alguma forma com nossa subjetividade. Mas vamos lá.
Mais racionalmente falando, podemos pensar de duas formas. A primeira diz das condições materiais as quais vivemos e que nos influenciam. Questões de ordem mais pragmática, por assim dizer. Nesse sentido nos perguntamos questões do tipo: quais abordagens são apresentadas na faculdade que estudo? Qual a relevância dessa abordagem em termos científicos e da prática profissional? Essa abordagem é capaz de fornecer ferramentas teóricas sólidas que me ajudarão na minha prática profissional? Quais as possibilidades de especialização/aprimoramento desta abordagem? Essas oportunidades estão dentro do meu raio de atuação? Em termos racionais há outras perguntas que podem ser feitas, mas num viés mais subjetivo, que diz do meu jeito específico de pensar o mundo: essa abordagem faz sentido para mim? Qual a visão de ser humano básica dessa abordagem? Essa visão está alinhada com o que eu acredito? O que eu penso a respeito dos autores desta abordagem? Qual minha opinião sobre essa abordagem? Tem um texto do blog que fala dessas visões do humano de Freud e Rogers, escrito por uma psicóloga humanista.
Numa aproximação deste assunto por uma via mais afetiva, podemos fazer o seguinte. Com você mesmo, preste atenção o que sente em situações específicas que esteja entrando em contato com essa abordagem, pode ser no estágio, na aula, na terapia, num vídeo do Youtube etc. Perceba: O que eu sinto quando eu interajo com essa abordagem? É um estranhamento, prazer, satisfação? Você se sente energizado, disposto (ou você fica irritável, triste) após se dedicar de alguma forma a essa abordagem? A coisa fica com “gostinho de quero mais” ou você sente uma necessidade de distância daquilo? Quando percebo que vou entrar em contato com essa abordagem de alguma maneira sinto animado ou desanimado em relação a isso? Uma outra forma de avaliar é em relação a um sentimento no âmbito mais comum, do tipo: como me sinto, enquanto alguém que está disposto a contribuir como psicólogo no mundo que vivo, quando estou atuando usando por base essa abordagem psicológica? Qual é o retorno que tenho das pessoas quando eu utilizei essa abordagem?
Bem, eu sei que são muitas questões a serem feitas e às vezes isso pode ficar um pouco confuso, então uma outra possibilidade que ajuda a filtrar isso melhor e que considero muito importante aos estudantes de psicologia é fazer terapia. Nesse ambiente é possível refletir mais tranquilamente sobre: que tipo de pessoa eu sou (ou estou disposto a ser)? Qual o contexto material que estou envolvido (e para onde estou indo)? Como essa abordagem está alinhada com meus valores pessoais e minha realidade objetiva? A terapia ajuda a pensar em termos subjetivos, fornecendo uma perspectiva menos idealizada de si mesmo. E por “idealizada” aqui eu quero dizer tanto de uma idealização otimista (inalcançável) quanto pessimista (subestimada) de si mesmo, ou seja, na terapia se avalia a sua realidade subjetiva.
Outros detalhes, não espere que uma abordagem irá responder perfeitamente todas essas questões. Não existe um “encaixe perfeito” entre abordagem e perfil profissional. Talvez ela responda de maneira satisfatória aspectos que você considera mais importante, mas em outros aspectos você irá produzir estratégias criativas para lidar com as questões que irão surgir. Isso vai depender do que você quer ou não trabalhar. Ah, outra coisa, a abordagem é um ponto de partida, não um voto de fidelidade. Apesar de ver com bastante ceticismo a postura de alguns profissionais de adotar uma postura “eclética”, entendo que nenhuma abordagem é perfeita, livre de críticas, mas essas imperfeições são oportunidades que se colocam para melhorias e discussões. Claro, se algo acontecer e surge uma necessidade de mudar de abordagem, mude. Mas que isso seja feito respeitando os aspectos discutidos anteriormente e essa decisão seja tomada após cuidadosa
Se você já tem a resposta para essas perguntas, ótimo! Mas se não tiver, aproveite essa oportunidade. A dúvida tem uma capacidade muito grande de mobilização. Não há necessidade de correr para chegar num resultado. O resultado irá surgir a partir de uma entrega genuína mediante a dúvida que se reconhece. Bom proveito!